domingo, 27 de setembro de 2009

Pensando em cruzar seu cão?


Você está pensando em cruzar o seu cão?
Ótimo, mas antes leia este artigo até o fim. Como médica veterinária e criadora há 40 anos, acho que posso ajudar na sua decisão.
São muitos os argumentos a favor da reprodução, como: “é natural”, “tem que deixá-los aproveitarem”, “quero outro igual”, “meu cão é nervoso, precisa cruzar”, ou “ele está se agarrando em tudo, está necessitado”... mas...
Você sabe o motivo do comportamento “sexual” exacerbado de seu cão?
Você sabe o que deve ser feito para se ter uma ninhada sadia?
Você tem consciência do compromisso ético que está assumindo ao se responsabilizar por uma ninhada?

Vamos então analisar alguns aspectos biomédicos:

· Lobos e cães selvagens apresentam uma maturidade sexual tardia e um ciclo estral muito mais longo que os cães domésticos. Na natureza apenas os líderes das matilhas se reproduzem. Cães selvagens cruzam muito menos que os cães sob nossos cuidados. Os machos não ficam frustrados e as fêmeas não ficam tristes por não terem filhotes. A grande maioria nunca terá filhotes na vida e ainda ajudará nos cuidados dos filhotes e na proteção da matilha. Isso garante que não haja a reprodução de animais fracos, o que prejudicaria toda a matilha. Ou seja, somente o mais apto e mais saudável procria e o “natural” é NÃO cruzar.

· Irmãos inteiros (mesmo pai e mesma mães) são diferentes. O que dizer então quando não se sabe que características genéticas podem ser transmitidas de pai para filhos? Cruzar seu cão dificilmente vai fazer com que os filhotes sejam iguais a ele. Genética não é matemática.

· Cães agressivos ou hiperativos não deixarão de sê-lo simplesmente porque cruzam. Se eles assim o forem por problemas genéticos de temperamento, transmitirão o desvio aos filhotes, aumentando as chances de serem abandonados ou sacrificados. Se você se apaixonou pelo jeito equilibrado da raça e não teve o cuidado de adquirir um bom Dobermann, cruzar é multiplicar o problema, não resolvê-lo. Se for um problema de comportamento, como um cão dominante, falta de atividade física, carinho ou atenção, o que resolve nestes casos é educação, exercícios e atenção. A forma de controlar os comportamentos indesejados ligados à sexualidade, à dominância ou comportamentos semelhantes (marcação de território com urina, montar fêmeas e machos, agarrar pernas, defender território) é a castração.

· Cães castrados têm uma longevidade maior que os reprodutores. Os cães vivem o momento presente, não fazem projeções para o futuro e não ficam frustrados por não terem filhos. Ao contrário, a castração reduz os conflitos por territórios, brigas por dominância, problemas com cios, mudanças de humor, problemas de saúde ligados ao câncer no aparelho reprodutor e mamas e conseqüentemente tornam os cães mais tranqüilos e felizes.

· Criando comercialmente ou eventualmente, existem cuidados a serem tomados com relação à saúde dos reprodutores. Os cuidados pré-nupciais são direcionados no sentido de se escolher parceiros isentos de enfermidades transmissíveis e defeitos genéticos, que apresentem maturidade orgânica e bom estado de saúde. Só assim teremos o desenvolvimento adequado da gestação e nascimento de filhotes sadios, e de tamanho adequado à sua raça.

· A respeito da futura mãe, a lista de aspectos a serem considerados é muito mais ampla. Além dos cuidados acima, os fatores relacionados à idade, saúde, alimentação, caráter e ao ambiente têm grande impacto sobre a ninhada.

· As fêmeas não devem ser cobertas precocemente, estando somente liberadas após alcançarem a maturidade orgânica, o que ocorre somente a partir do terceiro cio. A conduta materna não é inata e depende de estímulos desencadeantes (especialmente hormonais). Cadelas excessivamente jovens (primeiro cio) ou demasiadamente velhas (a partir dos 5 ou 6 anos, caso nunca tenham procriado) são mais propensas a apresentarem conduta maternal inadequada ou necessitarem de cesariana.

· Doenças bacterianas ou virais, distúrbios endócrinos (hipotireoidismo, diabetis, etc) e processos parasitários (pulgas, carrapatos e vermes) influirão negativamente no desenvolvimento e no resultado da gestação.

· Não é conveniente criar com fêmeas muito obesas ou muito magras. A obesidade será agravada com a gestação e causará problemas especialmente na hora do parto (cesarianas). Em fêmeas mal nutridas, a primeira a pagar as deficiências nutricionais na gestação é a própria mãe, pois seu metabolismo aumentará para fornecer os nutrientes necessários aos filhotes. Também se deveria analisar cuidadosamente a conveniência de utilizar cadelas com ancestrais ou antecedentes de cesárea, agalactia, eclampsia, mastite ou "canibalismo", pois isso aumenta o risco de complicações com a ninhada.

· As vacinas são totalmente desaconselháveis durante a gestação. Para uma correta imunização tanto da mãe quanto dos filhotes, o ideal é que a mãe seja vacinada um mês antes da gestação.

· Infelizmente é muito comum cães de raça terem doenças genéticas, exatamente pela falta de controle dos cruzamentos. No Dobermann as doenças hereditárias mais comuns são a miocardiopatia, hipotiroidismo, doença de Von Willebrand (hemofilia dos Dobermans) e a displasia coxofemoral, que são incuráveis e podem não apresentar sintomas, mas quando apresentam, podem levar o cão ao óbito ou a deformidades permanentes. Todas essas doenças exigem exames prévios aos acasalamentos e nenhum filhote deveria ser comprado sem os exames negativos dos pais. Se você não quer que seu cão morra precocemente, ou sinta dor, provavelmente também não quer que os filhotes dele sofram. Nada justifica cruzar um cão doente. Além disso, se um filhote tiver algum problema dessa natureza, você é obrigado a aceitar o cão de volta e devolver todo o dinheiro gasto com a compra do mesmo.

· Filhotes necessitam de acompanhamento veterinário (como crianças), boa alimentação, vacinas, vermífugos, espaço adequado (grande e seguro) e atividades para que consigam tornar-se adultos saudáveis e de bom comportamento. A idade mínima para um filhote ser desmamado é 45 dias, porém é mais interessante que eles fiquem com a mãe e irmãos até 60 dias, para aprender importantes lições de sociabilização e convivência.

Vamos analisar agora o compromisso ético:

Uma única cadela e seus descendentes podem gerar 64.000 novos animais em seis anos.
Nos EUA nascem anualmente cerca de 27 milhões de cães. As estimativas indicam que cerca de 10 milhões de cães saudáveis são considerados excedentes e sacrificados anualmente nos depósitos públicos de cães. Nos EUA a eutanásia é de longe a causa principal de morte de cães e estima-se que a maioria deles tenha menos que um ano de idade. Esses números não incluem cães atropelados, jogados na rua, abandonados, severamente maltratados ou abusados pelos seus donos. Toda essa matança do melhor amigo do homem poderia ser facilmente prevenida por intermédio da educação dos proprietários ou da castração de machos e fêmeas.
No Brasil há 20 milhões de cães abandonados. Setenta por cento acabam em abrigos e destes, noventa por cento não encontram um lar. NUNCA.
Muitos desses cães são de raça e provenientes de criadores eventuais (criadores de fundo de quintal) ou comerciais (fabrica de filhotes). Segundo especialistas, a maior contribuição para o problema da superpopulação canina são os criadores de "fundo-de-quintal". O termo "criador de fundo-de-quintal" é muito forte e ninguém realmente gosta de admitir que seja um criador de fundo de quintal.
Criadores de fundo de quintal vendem filhotes que estão fora do padrão da raça para compradores que estão fora do padrão de proprietários responsáveis. Eles cruzam cães por diversas razões, porém nenhuma delas tem fundamentos biomédicos e acabam contribuindo para as estatísticas de cães abandonados e sacrificados.
Na raça Dobermann nascem em média de 6 a 10 filhotinhos. Ninguém tem como garantir que TODOS os seus filhotes irão para lares decentes. A grande maioria dos criadores éticos, já se deparou com a devolução de algum filhote, mas quem está disposto a cruzar seu cão, tem que estar disposto a receber e cuidar de seus filhotes POR QUANTO TEMPO eles necessitarem.
Para o criador ético, a decisão de vender ou não um filhote para um determinado comprador é o fator mais importante. Já o criador de fundo-de-quintal, desesperado em vender logo a ninhada, não será tão criterioso. Poucos serão os que terão a sorte de serem bem cuidados por toda sua vida, e não apenas até a "novidade" acabar. A maioria dos filhotes acabará adquirida no impulso do comprador que achou o filhote bonitinho, o “preço acessível” ou por que o filho quer um cãozinho de presente de aniversário.
O que acontecerá com aqueles que não conseguirem um bom lar? Ao longo do tempo muito desses cães passarão fome ou serão maltratados. Uns irão morrer infestados por vermes, pulgas, carrapatos ou outra doença facilmente tratável. Alguns serão negligenciados pela família que o adquiriu, abandonados no fundo do quintal, em algum beco escuro da casa, onde não incomodam. Outros acabarão debaixo das rodas de um carro em uma estrada qualquer, ou deixado num canil público, onde encontrarão uma mesa fria e uma agulha não descartável do veterinário da saúde pública, responsável em por um fim ao seu sofrimento.
Se isso não te choca, certamente você não deveria estar pensando sequer em ter um Dobermann, e muito menos em cruzar seu cão.
Criação de cães não dá lucro. O bom criador vive de outras fontes de renda. O criador ético vai cruzar sua cadela no máximo três vezes em toda sua vida. Vai ficar com filhotes, vai cuidar dos velhinhos, dos cães de sua criação que retornam, vai atrás de seus bebês para saber se estão sendo bem cuidados. Cães só dão despesa e muitos se lembram disso somente quando se deparam com seis a dez cãezinhos famintos, com a barriga redonda cheia de vermes, olhos remelentos de viroses, esperando um prato de comida, isso, quando ainda encontram forças para lutar pela vida. São VÁRIOS os casos de cães abandonados em qualquer esquina, a grande maioria, fruto de cruzamento “doméstico” porque é “natural”, tem que “deixa-los aproveitarem”, “quero outro igual” ou “meu cão está necessitado”.

“Mas eu tenho um cão lindo, com excelente pedigree, descendente de campeões e quero cruzá-lo e dar os filhotes a amigos...”
Isso é uma noção errada, e dezenas de belas raças estão sendo prejudicadas por falta de informação.
A grande maioria dos cães, até mesmo os considerados muito bonitos, é comprada sem o menor conhecimento sobre o padrão da raça, pelo melhor preço, como cães de estimação e não como reprodutores, freqüentemente de criadores eventuais ou comerciais, em pet shop ou feirinhas de filhotes. O dono geralmente está desinformado sobre o valor de um cão para reprodução, os riscos e os custos de uma ninhada, caso contrário, ele saberia que esses custos e riscos normalmente impedem qualquer lucro.
Seu cão está mesmo dentro do padrão estabelecido para a raça?
A única forma de garantir que seu cão está dentro do padrão é tê-lo julgado com “excelente”, por pelo menos 5 árbitros em cinofilia. Não basta você, sua família e seus amigos acharem o seu cão o máximo para ele se tornar um reprodutor. Não importa o quão querido é seu cão, ou o preço que pagou no filhote, ou o fato de terem vários campeões no pedigree do seu cão, se o seu cão não se encaixa no padrão, ele não deve ser cruzado. Ele deve ser amado, treinado e cuidado como qualquer outro, mas nunca cruzado.
Um criador responsável nunca investe tempo para criar com um cão inferior só para fazer filhotes. Ele sabe que nenhum cão deve reproduzir se não estiver muito próximo do padrão da raça e não tiver muito para contribuir à raça. Um criador ético avalia até onde é possível aprofundar a pesquisa genealógica, para ter certeza que está potencialmente livre de transmitir qualquer falha genética séria. O criador que não procede dessa forma só pode mesmo ser chamado de criador de fundo de quintal.
O tipo de proprietário que um verdadeiro amante de cães deseja para os seus filhotes não está interessado em comprar um cão qualquer. Com algum juízo e um pouco de pesquisa, ele acabará comprando o filhote de um criador ético, e que realmente esteja interessado em fazer algo para melhorar a raça. A maioria dos que compram um filhote qualquer, são, via de regra, aqueles que abandonarão o cão tão logo a "novidade" passe.
As pessoas devem pensar muito, antes de cruzar os seus cães e se tornarem criadores. Nada impede que você seja um proprietário responsável, e também se torne um criador responsável, entretanto, ser um criador responsável requer muito conhecimento e uma infra estrutura muito maior que o eventual acasalamento de sua cadela com o cão do vizinho.
Agora, se você quer de fato ser um criador ético, responsável e respeitado, comece encontrando algum outro criador mais experiente que vive e defende todos os pontos de vista mostrados acima, e peça o seu aconselhamento. Com certeza ele terá todo o prazer e paciência em lhe dar todas as dicas necessárias. Leia tudo que encontre sobre a raça, seu padrão, comportamento e temperamento, estude genética e avalie de forma imparcial as deficiências e pontos fortes de seus cães. Estude muito, mas muito mesmo. Caso contrário, NÃO SEJA UM CRIADOR ! Prefira ser um proprietário responsável e digno do seu cão de estimação. Ser um proprietário responsável é algo para se honrar e, muito poucos são os que podem dizer que se enquadram nessa categoria.


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